domingo, 22 de outubro de 2017

O eterno super homem

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     Em 1986, ganhei na loteria. Ganhei uma família com grandes heróis, naturalmente a nossa família é exemplo, mas a minha foi diferente, simplesmente porque ela não era a minha família, era o prêmio da loteria que eu tinha acabado de ganhar. Em 1986 também foi um ano trágico, especialmente para o futebol brasileiro, ano que Zico, o grande craque se despedia das Copas do Mundo sem ganhar um título, o que tornara uma tatuagem para toda a sua vida. Que relação eu poderia fazer entre loteria e Copa do Mundo? Não tem relação, mas aí surgiu as minhas grandes paixões: família e futebol. O futebol, pela influência familiar.

     Cresci numa família humilde, de pessoas que vieram do interior para tentar a vida na capital e com eles valores fortes. Tive oportunidade de estudar e de viver. Dois mundos distintos. O mundo teórico e o mundo tácito, mundo esse que não tem cartilha que ensine. Cresci no Machadão, cresci vivendo o América de Natal e vivi na comunidade, no desporto sofrido dos bairros. Eu era a sombra desse herói, até todos falarem que eu era filho dele e assim tínhamos uma relação, de pai para filho, não havia diferença por ser de sangue ou não. Aquele cara justo, que imperava os valores do mundo antigo mas que ouvia e fazia tudo por aquele pequeno amigo e companheiro.

     Uma pessoa que nasceu para servir, afinal de contas é servidor público. A paixão pelo futebol era grande, continuava a viver cada vez mais forte o futebol amador nas comunidades. Em 1997, esse heroi maluco, quis gramar o campo de futebol da sua comunidade e saía no seu carro arrancando mato dos canteiros da cidades e eu ajudando, com 11 anos de idade. A noite, íamos a pé aguar aquele mato, apelidado de grama. Isso me fez perder o medo do escuro e serviu para encarar a escuridão que a vida nos impõe. Sonho realizado, campo gramado e o primeiro torneio, eu estava lá sendo o delegado da partida. Me encorajava e endossava em tudo.

     Eu sabia o quanto ele era apaixonado pelo futebol e eu comecei a ser goleiro, as coisas foram acontecendo, fui jogando, jogando e as coisas continuaram a acontecer. Minha família não acompanhava muito, era predominantemente mulheres, mas eu tinha sempre um expectador, no seu jeito interiorano e discreto de ser. Eu tive um sonho de jogar no América e concretizei, virei a página do futebol e voltei a estudar. A peregrinação na comunidade continua, eu e ele ajudando agora não só ao esporte, mas ajudando as pessoas que precisam, dentro das nossas limitações. Quase ninguém entende, mas é um laço forte.

     Na sexta feira, fiz um pedido a ele que era pouco provável de acontecer, que era trocar a data da sua escolinha de futebol gratuita do sábado para o domingo, para atender a outro projeto especial. Conheci o idealizador do Projeto Goleiro através de um outro amigo, projeto magnífico idealizado pelo seu único filho que partiu prematuramente e o pai levou a diante. Nessa última sexta feira, ficamos conversando, eu, meu herói, o Projeto Goleiro e esse meu amigo. Ele atendeu o pedido e cedeu o campo, no qual cresci lá e saímos todos felizes. Poucas horas depois, o herói forte, aquele que eu achava que nunca sofreria nada, que seria eterno, que tinha acabado de perguntar pela minha filha, que está prestes a nascer estava na UTI.

     Agora, nesse exato momento, está no centro cirúrgico, tendo a sua cabeça aberta para conter um AVC e eu com meu coração partido, pensando em todo o ensinamento que tive, que nenhuma escola do mundo seria capaz de ensinar. Herói, o meu desejo era segurar a sua mão, agradecer através do olhar tudo o que passamos e vivemos juntos e dizer que você vai sair dessa meu amigo. Agora me resta escrever, chorar e rezar.

     É aí que percebemos o conceito de super herói, as vezes eles descansam, se aposentam mas nunca morrem na cabeça e coração dos seus fãs. É isso que sou, seu fã!